Col. Sobralense M. Dorilene Arruda Aragão (CE)

 

Este ano mostraremos aqui uma série de reportagens sobre escolas que vêm se destacando na OBMEP. São casos que mostram como todo o ambiente escolar - gestores, professores, alunos e responsáveis - tem sido beneficiado por trocas de experiências bastante frutíferas.


Com pouco mais de 200 mil habitantes, a cidade de Sobral, no norte do Ceará, é  notabilizada pelos bons resultados que vem colhendo na área educacional, sobretudo  no Ensino Básico e Fundamental. Porém, desde que foi inaugurado, em 21 de fevereiro  de 2014, o Colégio Maria Dorilene Arruda Aragão vem se destacando não só na cidade,  mas em nível nacional, em razão dos resultados obtidos nas olimpíadas de  matemática, em especial na OBMEP. 

 

Situada no bairro Santo Antônio, em uma zona de periferia com índices elevados de  violência, a escola, primeira da cidade a seguir o modelo de tempo integral, somou, em  apenas duas participações na OBMEP (2014 e 2015), três medalhas de ouro, sete  medalhas de prata, 11 medalhas de bronze e 21 menções honrosas, tendo 100% de  presença dos alunos (26) na prova da 2ª Fase da Olimpíada. 

 

Motivados com os resultados obtidos na OBMEP, os alunos passaram a participar  também com sucesso da OBM (Olimpíada Brasileira de Matemática) e da OCM  (Olimpíada Cearense de Matemática), que envolvem escolas públicas e particulares.  Por sua vez, os professores de matemática começaram a promover a OIM (Olimpíada  Interna de Matemática), só para os seus alunos. 

 

- A OBMEP foi o início dessa cultura de olimpíadas do conhecimento aqui no Colégio  Maria Dorilene, e hoje somos conhecidos como a Escola Olímpica de Sobral. Em  termos de qualidade do ensino, não perdemos para nenhuma outra escola da cidade,  seja pública ou particular. Nossa briga é para mostrar que escola pública pode ser de  excelência – diz o professor e gestor escolar Pedro Grandson, que ocupou a direção da  Maria Dorilene desde a inauguração até o final de fevereiro deste ano. 

 

Com autonomia administrativa, financeira e pedagógica, Pedro pôde levar para a  Maria Dorilene um time de professores cujo trabalho ele já conhecia de experiências  em escolas anteriores.

 

- Para termos bons resultados nas olimpíadas, o diretor é importante, assim como os  coordenadores, funcionários - enfim, toda a escola. Mas ter um grupo de professor  com uma visão que vai além do trivial faz a diferença. E na Maria Dorilene, temos  professores muito envolvidos com as olimpíadas, como os professores Luciano  Epifânio, Ivan Ferreira, Cássio Gama, Benedita Bezerra e Joelba Carneiro. Trata-se de  um grupo de educadores e companheiros que caminham juntos desde 2012 e que  comungam do mesmo sonho: transformar a educação sobralense. 

 

Segundo Pedro Grandson, a OBMEP também tem contribuído para consolidar na  escola um “espírito colaborativo”:

 

- Ainda contamos com reforços importantes, como os ex-alunos medalhistas, que  voltam à escola para dar aulas de matemática voluntariamente. Há um espírito de  colaboração para o qual a participação de ex-alunos e familiares é vital. Os professores  colocam em prática o que chamamos de “Pedagogia da Presença na Vida dos Alunos”,  reforçando os laços entre escola, alunos e família. Professor tem de ser bem mais do  que um expositor de conteúdos. Precisa conhecer bem os alunos, estar próximo deles,  levar em conta a diversidade na sala de aula e envolver a família no processo.

 Considerando o perfil socioeconômico dos nossos alunos, a estrutura familiar, a  escolaridade média dos pais, é necessário que a escola lhes ofereça um “algo a mais”,  que ajude a superar as deficiências anteriores de aprendizagem e outras adversidades.

 

Outro legado da OBMEP, de acordo com o gestor, é a mudança geral na vida dos  alunos:

 

- Se olharmos para trás, em fevereiro de 2014, e compararmos com os dias atuais,  vemos que esses meninos são outros. Têm uma postura completamente diferente  ante à vida, comunicam-se bem, são bem mais participativos e confiantes. Uma das  nossas preocupações é com a autoestima do aluno. Isto está expressado no lema da  escola: “Eu quero, eu posso, eu consigo”. É um sentimento que vale tanto para as  olimpíadas quanto para a vida. Nossos alunos vêm, em sua grande maioria, de famílias  pobres, que dependem de programas de complementação de renda. Mas hoje todos  sonham em fazer uma faculdade. Querem ser médicos, engenheiros... Eles têm uma  perspectiva de vida associada a um bom desempenho nos estudos, e a motivação por  estudar não está mais limitada à Matemática. Começou com ela, mas está  acontecendo também com as outras disciplinas. 

 

De acordo com Pedro, o trabalho de preparação para a OBMEP e para as outras  olimpíadas de matemática começa em fevereiro, assim que voltam as aulas.

 

- Na verdade, o trabalho começa antes, quando colocamos cartazes com nomes e fotos  de todos os premiados na entrada da escola. Tanto os alunos quanto os seus  responsáveis olham para aqueles quadros e reconhecem as nossas referências, os  nossos “padrões de qualidade”. O menino que vê aquilo pensa: “quero isso para mim  também”. O aluno passa a ter um norte, começa a desenvolver um projeto de vida, e  isso contagia a sua família. A escola também cumpre o seu papel quando o ambiente  interno começa a influenciar o ambiente externo de forma positiva. Hoje, temos uma  comunidade mais tranquila, com menos violência, e estou certo de que essas  mudanças começaram a partir da chegada da nossa escola ao bairro, e serão cada vez  mais sentidas nos próximos anos - acredita.

 

Premiado na OBMEP nos últimos quatro anos, o professor Luciano Epifânio Fernandes  compartilha da avaliação feita por Pedro: 

 

- A OBMEP tem ajudado a mudar o ambiente na sala de aula, na escola. Os alunos  veem alguns colegas participando dos nossos treinamentos, sendo premiados e depois  reconhecidos, e passam a nos procurar querendo participar também.

 

 Cursando o último ano de Licenciatura em Matemática, Luciano sempre estudou em  escola pública e não esconde sua “frustração” por não ter participado, como aluno, da  OBMEP: 

 

 - Não cheguei a participar da Olimpíada, não cheguei a ser premiado, mas quero que  meus alunos sejam. A mudança na vida deles é o que mais me motiva.  

 

 Luciano começou a trabalhar com a OBMEP em 2012, na Escola Municipal Netinha  Castelo. Foi lá que ele conheceu Pedro Grandson, gestor da escola, e o convenceu de  que eles deveriam começar um trabalho com a OBMEP: 

 

 - No ano anterior, eu tinha visto um professor dando aulas de olimpíada em outro  distrito de Sobral, conseguindo premiações e me interessei. Dei a ideia para o Pedro,  que topou na hora. Só precisava de espaço e papel para poder começar a dar minhas  aulas extraclasses.

 

 Em 2013, Pedro passou a gerir a Escola Municipal Gerardo Rodrigues de Albuquerque  e, como era de se esperar, levou Luciano e o seu trabalho exitoso na escola anterior,  que rendeu uma medalha de prata, um bronze e nove menções honrosas.

 

 - Levamos para a Gerardo as aulas de olimpíadas, dadas à noite e aos sábados, e fomos  procurando maneiras de melhorar a preparação dos alunos. Além das provas e bancos  de questões da OBMEP, passamos a utilizar também materiais de outras olimpíadas de  matemática, como a cearense e a mineira. Minas consegue tantas medalhas na  OBMEP... Por que não podemos conseguir também? – conta Luciano. 

 

Na Gerardo Rodrigues, em 2013, os resultados já foram melhores: duas medalhas de  prata, oito de bronze e 24 menções honrosas. No entanto, os resultados mais  expressivos – incluindo as primeiras medalhas de ouro – vieram em 2014, quando  Pedro e um grupo de professores que já vinham trabalhando com a OBMEP foram  juntos para o recém-inaugurado Colégio Sobralense de Ensino Integral Maria Dorilene  Arruda Aragão.

 

 - Como é uma escola de tempo integral, a Maria Dorilene tem uma grade curricular  diferente. Os alunos têm mais aulas de Matemática e língua portuguesa do que o  normal (cada turma tem sete aulas por semana de matemática). Além disso, na parte  da tarde, eles têm uma disciplina chamada Estudos Orientados, onde o enfoque é  Matemática e língua portuguesa. Os alunos com mais dificuldades têm aulas de  reforço e nivelamento, ao passo que aqueles mais adiantados podem se dedicar aos  materiais de olimpíadas – explica Pedro. 

 

 Professor de Estudos Orientados, Luciano acrescenta que também há uma disciplina  eletiva chamada “Eu quero fazer Olimpíada”, que, este ano, está com 30 alunos. Além  disso, na 1ª fase da OBMEP, um grupo de cerca de 50 estudantes participa de aulas  extraclasse dadas de segunda à sexta, em três horários diferentes, na própria escola,  na Escola Mocinha Rodrigues e na Escola José Parente Prado, estas duas em outros  bairros de periferia. Já na 2ª fase, o trabalho é reforçado com o grupo de 25 a 30  alunos classificados, com aulas também aos sábados e nas férias de julho. 

 

 - Na preparação para a OBMEP, temos de saber lidar com as diferenças. Há os  “veteranos”, os “novatos”, e não podemos nos esquecer dos “talentos ocultos” que  estão nas salas de aula, quase sempre bem quietos. O sucesso na OBMEP e em outras  competições depende de nós, professores, mas em grande parte dos próprios alunos,  que, antes de qualquer coisa, precisam acreditar neles mesmos. A mudança começa  quando eles percebem que podem tanto quanto qualquer um, de qualquer lugar. O  negócio é ser “atrevido”, corajoso, ter compromisso e estudar – ensina Luciano. 

 

Por fim, Pedro Grandson nos ajuda a compreender melhor o sucesso do “método de  trabalho” utilizado pelos professores da Maria Dorilene: 

 

 - Ao longo desses anos em que vêm trabalhando com a OBMEP, eles aprenderam mais  do que apresentar conteúdos. Acho que eles desenvolveram sensibilidades  fundamentais para se relacionar melhor com os alunos. Por que você acha que sempre  fiz questão de levá-los para as escolas em que fui diretor? Porque eles são mais do que  bons professores do Ensino Fundamental. Eles visitam os alunos, sabem dos problemas  de cada um, conhecem as histórias de vida. Os meninos sabem que os mesmos  professores que estão ali no dia a dia ajudando-os a resolver os problemas olímpicos  são pessoas que se preocupam com eles. 

 

 Depoimentos de alguns alunos da escola Maria Dorilene: 

 

“A OBMEP nos impulsiona para frente. Você aprende muita coisa além do que é visto  na sala de aula. Este ano quero ganhar ouro na OBMEP e conseguir medalha também  na OBM. Pretendo ser o primeira da família a fazer uma faculdade”. 
 (Wendel Manfrini de Andrade Mendes, 14 anos, 9º ano, premiações na OBMEP:  menção honrosa no 6º ano, prata no 7º e menção honrosa no 8º) 

 

“As aulas com o professor Luciano foram muito importantes para mim, e não só  porque consegui ser premiada. Acho que também adquiri maturidade. Eu era muito  bagunceira, não me interessava muito pelas aulas em geral. Até que viram esse talento  em mim quando fiz a prova da OBMEP no 6º ano e consegui passar para a 2ª fase.  Ganhei uma menção honrosa, que me deu esperança de ir além. Fui prata no 7º ano e  menção no 8º, e espero este ano conseguir uma medalha novamente”.
 (Débora Silva Alves, 14 anos, 9º ano)

 

 “Sempre tive muito jeito para desenhar, e depois percebi que esse dom também me  ajudaria nas aulas de matemática. No 6º ano, consegui uma menção honrosa na  OBMEP e minha mãe, professora do ciclo básico, ficou muito feliz. Ela sempre me  apoiou muito. No 7º ano, eu sabia que, se estudasse mais, poderia conseguir uma  medalha, e foi isso que aconteceu. Ganhei um bronze, o que me permitirá este ano  fazer o PIC e ganhar a bolsa de R$ 100. No ano passado, tivemos problemas em casa  que nos marcaram muito, e com o dinheiro que ganhar com a bolsa do PIC, quero  muito ajudar meus pais a resolver esses problemas”. 

(Ingrid Kelly Marques, 13 anos, 8º ano)
 

 

Depoimentos de ex-alunos da escola Maria Dorilene:

 

 “Fui prata três anos seguidos na OBMEP, entre 2012 e 2014. Sempre batia na trave. Eu  estudava, me preparava bem, mas acho que o medo e o nervosismo me atrapalhavam  na hora da prova. Depois eu ficava lembrando das questões, pensando que podia ter  respondido melhor... Mas em 2015 veio a medalha de ouro e foi um misto de alegria e  alívio. Estou muito contente de este ano ir ao Rio de Janeiro para participar da  Cerimônia Nacional de Premiação, no Theatro Municipal. É a realização de um sonho  acalentado ao longo de quatro anos. Me enche de orgulho saber que hoje sou uma  referência para os alunos da escola, porque eu também tinha como exemplo de vida a  aluna Tábata Amaral, de São Paulo, que foi prata em 2005, ouro em 2006 e hoje está  estudando em Harvard. Por conta das premiações na OBMEP, recebi muitos convites  de escolas particulares e não fui. Nada contra quem aceita, mas eu queria provar que  você pode conseguir o quer sendo aluno de escola pública”. 

(Vanessa Carvalho do Nascimento, 15 anos, que este ano está no 1º ano do Ensino  Médio no Liceu de Sobral - curso profissionalizante de Enfermagem) 

 

 “No 6º ano, fiz a prova da OBMEP sem saber o que era a Olimpíada. Passei para a 2ª  fase e ganhei Menção Honrosa. Nesta época, a prova da OBMEP era como qualquer  outra, que a gente tinha de fazer. No 7º, na escola Gerardo Rodrigues, conheci a  Vanessa, o Luciano, o Pedro... Vi que a OBMEP era algo importante, que podia mudar a  minha vida. Comecei a estudar mais, a me esforçar em busca de uma medalha.  Tínhamos aulas olímpicas à noite, de segunda à sexta, e sábado. Aí conquistei uma  medalha de prata. No 8º e 9º anos, já na Maria Dorilene, fui bronze e prata de novo.  Mesmo não conseguindo o ouro, tenho certeza de que valeu a pena, porque aprendi  muita coisa. O aluno de olimpíada sempre procura fazer bem aquilo que faz, e também  leva isso para o estudo normal, de sala de aula. Eu mesmo passei a ter notas bem  melhores não só em matemática, mas em todas as matérias. Sempre gostei de  matemática, mas não tinha o apoio extra que passei a ter na Gerardo e depois na  Maria Dorilene. Participando da OBMEP, vi muitas mudanças acontecerem. Na minha  vida e nas de pessoas que estavam ao meu redor. Ir para as aulas do Luciano me fazia  muito bem. Eu sentia que estava aprendendo, que estava tendo oportunidade de  adquirir mais conhecimentos que seriam essenciais para o meu projeto de futuro. Os  problemas de casa ficavam em casa, enquanto eu aprendia a buscar soluções para  problemas matemáticos. Aquilo me deixava feliz. A Olimpíada me ajudou a descobrir  muitas coisas novas, inclusive que eu podia mudar a minha vida. 

 (Jefferson da Costa Fernandes, 15 anos, também está agora no 1º ano do Ensino  Médio no Liceu de Sobral – curso profissionalizante de Enfermagem)

 

 “Quando eu estava no 5º ano, vi meu irmão que estava no 6º ser premiado com uma  Menção Honrosa e resolvi que queria aquilo também. Fiz a OBMEP no ano seguinte e  também consegui uma menção. No 7º, estudando na escola Gerardo Rodrigues, passei  a ter aulas de matemática olímpica com o Luciano. Foi uma mudança radical para mim.  Eu era meio danado na sala de aula, ficava perturbando os professores, não conseguia  me concentrar. Depois que virei um aluno olímpico, comecei a tirar 10 direto. Foi uma  mudança boa. A olimpíada me ajudou a ver o mundo da matemática, que eu não  conhecia. Nas aulas de olimpíada no Gerardo e depois aqui na Maria Dorilene, me dei  conta de que podia ir longe. Fui Menção Honrosa no 6º, 7º e 9º anos, e no 8º consegui  um bronze. Ano passado, fui Menção Honrosa também na OBM, que pretendo fazer  de novo este ano. Infelizmente não vou poder fazer mais a OBMEP, já que agora estou  em uma escola particular aqui de Sobral, pela qual fui convidado a fazer o Ensino  Médio com bolsa integral”.

 (Davi Rodrigues de Vasconcelos, 15 anos, aluno do 1º ano do Ensino Médio da Escola  Farias Brito Sobralense)




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