‘É satisfatório ver cegos participarem igual a quem enxerga’

 

Professora Paula Marcia Barbosa adapta provas da OBMEP ao braille


A professora Paula Marcia Barbosa tinha cerca de 10 anos quando foi apresentada ao mundo dos cegos. Apesar de não ter nenhum problema de visão, conheceu de perto a realidade de quem recorre aos dedos para ler, escrever e, claro, aprender matemática. Sua mãe, Yedda Miradaya Barbosa, era voluntária em um projeto para jovens cegos no início dos anos 1960 e levava a filha para participar das ações. Atualmente, aos 73, a professora de matemática assessora a equipe que adapta as provas da OBMEP para o braille.

Desde sua infância, Paula vivenciou o ensino acessível mudando a vida dos alunos e professores. “É muito satisfatório ver cegos participarem igual a quem enxerga. Eu gosto de trabalhar com deficientes visuais, por isso fiquei mais de 30 anos em sala de aula. Enquanto eu puder cooperar com esse público, estarei aqui!”, disse.

Essa história de mais de 30 anos em sala de aula começou assim que a carioca se graduou em matemática pela Universidade Federal Fluminense (UFF), em 1974. Ela foi convidada para atuar como professora para cegos. “Acho que, por essa lembrança que tinha com a minha mãe na Sodalício da Sagrada Família, na Tijuca, já sabia que queria era isso que queria fazer”, afirmou Paula. 

Em 1982, começou a dar aulas no Instituto Benjamin Constant (IBC), mergulhando no aprendizado de como lidar com os cegos, com a escrita braille, e o uso do Soroban para pessoas com deficiência visual. “No início, eu dava aulas para turmas de baixa visão e fazia toda a ampliação do material. Quando cheguei as turmas tinham, em sua maioria, professores cegos. Com o tempo, foram se aposentando e eu assumi as turmas de matemática”, lembrou a professora.

Trajetória olímpica

O contato com a OBMEP começou logo após o lançamento da iniciativa, em 2005, quando o IBC foi procurado pela organização para apoiar a adaptação das provas da olimpíada. Para a segunda edição da olimpíada, em 2006, a equipe já estava preparada para o desafio. “A OBMEP conseguiu uma gráfica com todo o sigilo requerido e começamos a fazer a adaptação com um programa de computadores que foi desenvolvido especialmente para o IBC, em 2000, que nos ajuda a transcrever. Trabalhamos com uma equipe enxuta, de no máximo quatro pessoas, incluindo dois revisores cegos. Fica todo mundo em um sigilo danado”, contou.




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Apesar da experiência de 16 anos na transcrição da prova, a professora comenta que o desafio ainda é grande. “Precisamos fazer uma adaptação descritiva da prova, para que o aluno possa entender as figuras representadas. No momento da adaptação, eu já recebia a prova criptografada e levava todos os desenhos, para facilitar. A gente também prepara a prova dos ledores neste processo”, disse.  

Atualmente, uma média de 3,5 mil provas em braille são impressas em todas as edições da OBMEP. É o trabalho desta equipe que possibilita o acesso de alunos com deficiência visual em todo o Brasil. “Desde que comecei a fazer o trabalho com a OBMEP, em 2006, todos os diretores do IBC colaboraram para assessorar o trabalho em braille. No começo, a Maria Luzia do Livramento, professora cega, fazia este trabalho comigo, mas depois de quatro anos ela deixou de participar. Desde o início também contamos com a colaboração da Fundação Dorina Nowill, que auxilia até hoje com a transcritora e dois revisores”, afirmou.

Paula ainda é uma das autoras de dois livros lançados pelo Grupo de Ensino de Matemática para Alunos com Deficiência Visual e Alunos Surdos, parte do Projeto Fundão, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ela também contribui para a transcrição de materiais didáticos na imprensa braille do IBC. Para ela, o que mais a orgulha em sua trajetória é o fato de ver os pupilos contribuindo para que outros cegos possam aprender. 

“A maioria dos revisores que trabalham comigo são meus ex-alunos! Temos um respeito muito grande pelo trabalho realizado por eles, afinal, só um cego consegue dizer se  a transcrição realmente foi bem feita, a partir da leitura com os dedos. Eu, que enxergo, não tenho a mesma percepção!”, comentou Paula.