Morre matemático Jacob Palis, gigante da Ciência brasileira

 

O matemático Jacob Palis, ex-diretor-geral do IMPA e ex-presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), morreu nesta quarta-feira (7), aos 85 anos, no Rio de Janeiro. Membro de dez Academias Nacionais de Ciências e doutor Honoris Causa de nove universidades no Brasil e no mundo, era um dos principais cientistas e mais premiados e respeitados matemáticos do país.

“Jacob é, simplesmente, um gigante da nossa ciência. A sua visão estratégica, a sua liderança e a sua contribuição científica, revolucionaram a face da matemática e da ciência praticadas no Brasil e na América Latina, influenciando instituições e inspirando jovens cujas vidas ele impactou profundamente e entre os quais eu tenho a honra de me incluir”, disse o diretor-geral do IMPA, Marcelo Viana, que foi orientado por ele.

A vida de Jacob Palis foi inspirada pela incerteza, matéria-prima essencial de um matemático dedicado a desvendar os mistérios do caos dos Sistemas Dinâmicos. Mineiro de Uberaba, Jacob chegou ao Rio aos 16 anos determinado a cursar engenharia. Embora já tivesse decidido ser cientista e se dedicar à matemática, acreditava que era no curso de engenharia que a “boa matemática” era feita.

Passou em primeiro lugar no vestibular na Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde se formou em 1962. Saiu dos bancos universitários com o primeiro troféu da carreira nos braços, o título de Melhor Estudante de Graduação. Na época, já era um assíduo frequentador dos seminários do recém-criado IMPA (Instituto de Matemática Pura e Aplicada) nas tardes de sábado.

Stephen Smale, um medalhista Fields como orientador e amigo

Acabou fazendo um estágio na instituição, mas tinha a ideia fixa de estudar com o “melhor matemático do mundo” naquela época. Ao perguntar a Elon Lages Lima quem seria essa pessoa, ouviu  que era “o americano Stephen Smale”.

Um dos mais brilhantes matemáticos de todos os tempos, Smale ganharia a medalha Fields, equivalente ao Nobel da matemática, pouco depois, em 1966. À época, dividia o tempo entre as atividades políticas e a orientação de alunos de doutorado. A incerteza não abalou Jacob Palis, que embarcou rumo a Berkeley em 1964 com o sonho e uma bolsa da Comissão Fullbright para garantir seu sustento.

A parceria com Smale deu muito certo e originou uma amizade até o fim da vida, com visitas recíprocas. Em certo sentido, combinavam no jeito de tratar a disciplina sem entrar em tantos detalhes técnicos. “Era sempre a visão global que prevalecia”, contou. E assistiu ao orientador ganhar a prestigiosa medalha Fields enquanto ainda fazia o doutorado. “Foi um acontecimento!”

Após concluir o doutorado, passou mais um ano nos Estados Unidos como pesquisador na Brown University e professor-assistente na Universidade da Califórnia. Fugindo à regra de então, decidiu voltar ao Brasil em 1968. 

O seu primeiro emprego foi na UFRJ, mas logo percebeu que a universidade à época não oferecia o modelo de pesquisa com o qual sonhava. Foi aí que fixou raízes no IMPA, onde ajudou a construir um modelo de pesquisa e ensino superior que entendia ser adequado.

Liderança na matemática e na Ciência brasileira 

No início da década de 1970, fez contribuições pioneiras fundamentais para a teoria das bifurcações e também para criar bases de uma cultura científica cosmopolita no Brasil. Organizou o Simpósio Internacional de Sistemas Dinâmicos de 1971, abrindo as portas do IMPA para visitantes internacionais de renome, que ajudaram na construção da matemática brasileira.

Sua visão permitiu que os jovens talentosos não mais precisassem sair do país para desenvolver pesquisas pioneiras, cimentando a excelência na disciplina do Brasil, que hoje integra o Grupo 5 da União Matemática Internacional (IMU), entre os 12 países mais avançados na área.

Nos anos 1980, Jacob Palis passou a ocupar cargos na estrutura internacional da matemática, enquanto assumia funções importantes também no Brasil. De 1993 a 2003, foi diretor-geral do IMPA, liderando sua transformação em Organização Social, o que deu mais autonomia e flexibilidade para o instituto, permitindo seu crescimento e internacionalização. Em 1998, elegeu-se presidente da IMU, entidade máxima da matemática mundial. De 2007 a 2016, presidiu a Academia Brasileira de Ciências, notabilizando-se pela defesa do investimento mínimo de 2% do PIB nacional na área – porém ainda hoje não passa de 1,2%.

Defensor de redes internacionais, liderou em 1995 a fundação da União Matemática da América Latina e Caribe (UMALCA). Orientador ativo, não deixou que a burocracia dos cargos de gestão acadêmica o impedisse de pesquisar e ensinar. Sua genealogia acadêmica inclui ao menos 42 alunos e 141 descendentes – doutores formados por outros que ele formou. O mais destacado é o “neto acadêmico” Artur Avila, pesquisador do IMPA ganhador da Medalha Fields, doutor pelo IMPA e único detentor da honraria totalmente formado no mundo em desenvolvimento. 

Também não faltou tempo para se dedicar à própria pesquisa. Jacob foi um dos pesquisadores mais respeitados e laureados da matemática brasileira, com trabalhos importantes sobre as regiões mais caóticas de várias famílias de sistemas dinâmicos. Viveu inspirado pelas incertezas. Entre muitas outras contribuições fundamentais formulou, nos anos 1990 uma visão global da teoria dos sistemas dinâmicos que constitui ainda um dos principais temas de pesquisa na área, inspirando gerações de pesquisadores jovens e sêniores. 

Sua trajetória foi reconhecida por dezenas de prêmios, como a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico (1994); o Prêmio Interamericano para Ciência (1995); Oficial da Legião de Honra (2018); Prêmio Trieste de Ciência (2006); Prêmio Balzan em Matemática (2010). Era membro de dez Academias Nacionais de Ciências (entre as quais dos EUA, da França, da Rússia e da Europa) e doutor Honoris Causa de nove universidades no Brasil e no mundo, entre outras realizações.

Jacob Palis deixa os filhos Rebeca, Carlos Emanuel e Laura, a esposa Suely Lima, cinco netos, além de um grande legado para a matemática mundial e um exemplo de vida dedicada à ciência.




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