Em Bom Jesus de Itabapoana, matemática significa oportunidade

 

Ana Carolina Pereira, de 20 anos, mora com os avós em uma zona rural próxima ao município de Bom Jesus de Itabapoana, no interior do estado do Rio de Janeiro. Após algum tempo sem frequentar a escola, foi incentivada pela família a se dedicar aos estudos. A aluna do Colégio Estadual Luiz Tito de Almeida acaba de participar da primeira fase da OBMEP (Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas), e sonha com  a classificação para a segunda etapa da competição. “Espero que eu tenha tirado uma boa nota, porque me esforcei muito. Sonho alto! Tenho vontade de ser professora, é algo que sempre quis. Meus pais não puderam me dar o apoio necessário, mas meus avós me incentivaram a estudar”, pontua. 

Localizado entre o Rio de Janeiro e o Espírito Santo, Bom Jesus de Itabapoana abriga a escola Luiz Tito de Almeida, que tem se revelado uma terra fértil para a matemática. A primeira medalha da escola foi conquistada pela aluna Lucy Maria Degli Esposti, que participou da competição em 2013 e hoje cursa matemática, a distância, na Universidade Federal Fluminense (UFF). Lucy deixara os estudos aos 12 anos, por morar em uma região de difícil acesso. Depois de oito anos dedicados à religião, como freira, percebeu que não tinha vocação e, aos 27 anos, retornou à escola. Com o destaque na OBMEP, foi convidada a participar do Programa de Iniciação Científica (PIC) e tomou mais gosto pelo assunto, conquistando mais medalhas nos anos de 2014, 2015 e 2016.

Atualmente, os alunos se espelham nela para buscar novas oportunidades a partir do estudo para a OBMEP. “Ela é uma inspiração para todos nós! Serve de exemplo para nós continuarmos estudando e participando da olimpíada. Às vezes temos bastante dificuldades no caminho, mas não deixamos de dedicar o tempo às aulas e aos deveres. Eu sou mãe e tenho dois filhos, mas estudar é uma prioridade para mim”, afirma Carolina Oliveira da Silva, que também é estudante da escola.

Envolvidos em diversas atividades do meio rural, os alunos do Colégio Luiz Tito intercalam a rotina das aulas com o trabalho no campo, que consideram ser um meio de ajudar às suas famílias. Mas a educação ainda é prioridade e foi mantida mesmo durante a pandemia da Covid-19, que impossibilitou as aulas presenciais. Foi então que a equipe escolar encontrou uma forma de seguir promovendo o estudo, com o desafio adicional de a maioria dos jovens não ter acesso à internet. 

A diretora da escola Iracilda Dias Viana, de 69 anos, e a coordenadora pedagógica Milene da Silva Batista percorrem quilômetros de chão de terra, em uma van escolar, para entregar os materiais impressos aos alunos e garantir que eles tenham a possibilidade de estudar o conteúdo. As aulas estavam previstas para retornarem presencialmente neste ano e, por isso, toda a escola se preparou para realizar a primeira fase da OBMEP da maneira tradicional. Infelizmente, o município voltou a apresentar “bandeira vermelha” de contágio, impedindo a permanência dos alunos nas escolas. A diretora, que também é professora de matemática, descartou a ideia de cancelar a aplicação da primeira fase da OBMEP. 

“A maior parte deles não têm internet. Nós entregamos os livros, simulados e kit de alimentos, tudo em casa. Como esse ano a aplicação da prova ficou a critério da escola, vimos que a única forma possível para nossa realidade era levar as provas nas casas dos alunos. Preparamos as provas, fomos às casas e cada um ficou sozinho fazendo na sua própria casa enquanto esperávamos. Fizemos isso durante alguns dias de 8h da manhã até tarde da noite”,  conta Iracilda.

A nova dinâmica possibilitou a participação da maioria dos alunos do Colégio Luiz Tito de Almeida, mesmo dos que vivem nos cantos mais remotos. Alguns deles, antes da pandemia, percorriam cerca de 140 km para chegar até a escola. A maioria dos alunos precisava sair de casa antes das 5h da manhã para estar na escola. “Além de tudo, nossos alunos em sua maioria trabalham na lavoura de café ou tirando leite. Os mais novos começam a trabalhar com os pais desde cedo. Nessa dinâmica a distância, nos aproximamos das famílias, porque vamos às casas e convivemos. Tem alunos que cuidam de 33 mil pés de alface, outros que tiram 2 mil litros de leite pela manhã. Eles são todos muito esforçados e trabalhadores”, afirma Iracilda.

Apesar dos desafios que enfrentam para garantir o acesso dos alunos às aulas, a coordenadora pedagógica Milene Vargas da Silva Batista, de 37 anos, acredita que o esforço vale a pena. “Em nossa escola temos um público diferenciado que teria todos os motivos para não estudar, porque muitos têm família formada e poderiam ter pouca expectativa com o estudo. Mas a gente vê o contrário: eles não desistem. Nossa taxa de evasão é mínima porque eles querem mesmo estar ali e não abandonam”, relata.




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